domingo, 7 de agosto de 2011

Maria da Penha: 5 anos depois, aplicação de lei ainda é restrita



A Lei Maria da Penha, que classifica a violência doméstica e familiar contra a mulher como uma violação aos direitos humanos, completa 5 anos neste domingo ainda com um longo caminho a percorrer para que sua aplicação seja efetiva. "Comemorar não significa dizer que estamos na plenitude do tratamento que deve ser dado às mulheres", disse a ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, em seminário realizado essa semana em Brasília para debater a lei.
A ministra listou pontos que, em sua opinião, devem ser aperfeiçoados na aplicação da lei, como aumentar o envolvimento de prefeituras e governos estaduais na assistência à mulher vítima de agressão, garantir recursos para implantação de políticas para esse público e estrutura nas secretarias dedicadas a receber e acompanhar as mulheres. "A rede precisa não só receber, mas acompanhar essas mulheres. É preciso ter casas abrigo. E é preciso ter programas regionais que promovam a autonomia financeira das mulheres, para que elas não fiquem dependentes desses agressores."
O atendimento nas pequenas cidades também é apontado como um problema pela mulher que deu nome à lei. "Tudo é feito nas grandes cidades, principalmente nas capitais. As pequenas cidades ainda estão esquecidas", diz Maria da Penha, que ficou paraplégica por conta de um tiro que seu ex-marido desferiu contra ela nos idos dos anos 1980. Depois que ele tentou novamente matá-la, ela passou a buscar punição, que veio apenas em 1996, com dois anos em regime fechado. Quase dez anos depois, a repercussão deu origem à lei.
Maria da Penha também afasta um mito em relação aos casos de agressão: "Muitos dizem que os casos de assassinato acontecem quando a mulher denuncia, o que não é verdade. O assassinato ocorre quando há descaso da autoridade."
A coordenadora do Fórum de Mulheres do Distrito Federal, Leila Rebouças, também chama a atenção para o atendimento, principalmente pela pouca quantidade de delegacias especializadas em receber a mulher vítima de agressão. "Nas delegacias comuns, o atendimento é precário. Há casos de denúncias em que o atendimento é feito por homens que reduzem a situação de violência sofrida e desestimulam a mulher a dar continuidade. Todas as delegacias deveriam ter uma subseção específica para esse tipo de atendimento."
Diretor do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Miguel Cançado diz que o sistema judiciário precisa se preparar para dar vazão aos processos contra agressores, sob o risco de deixar para a sociedade uma sensação de impunidade. "A lei não muda os costumes, a sociedade. Pode criar barreiras, mas não resolve a questão da violência. O que incomoda é a possibilidade de ser punido", ressalta.

Divulgação de casos é positiva

A assessora jurídica da Associação de Mulheres Empreendedoras (AME, Tatiane Araújo Pereira, diz que é comum ouvir críticas de mulheres que demonstram certa incredulidade na lei, mas diz que a efetiva aplicação é uma questão de tempo. Para ela, a primeira etapa da legislação já foi alcançada: a divulgação dos casos, que leva à conscientização das mulheres sobre seus direitos. "Os casos de violência doméstica agora são noticiados. Antes já aconteciam e ninguém sabia."
A Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça considera que a lei revelou uma demanda de mulheres em busca de seus direitos em casos de agressão que antes estava reprimida.
"Com a lei, as mulheres se sentem mais estimuladas a denunciar, porque já temos muitos casos concluídos com a punição aos agressores", disse a ministra Iriny. "Mesmo com o número de casos julgados não ser todos os que a gente queria, e mesmo ainda havendo um debate doutrinário sobre a lei, o balanço é positivo."
Há questionamentos sobre a constitucionalidade da Lei Maria da Penha sob o argumento de que feriria a isonomia ao tratar a mulher de forma diferenciada. O entendimento do secretário de Reforma do Judiciário, Marcelo Vieira, é de que a legislação trata de forma desigual os que estão em situação desigual. Uma ação sobre o tema aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal que, em outra ação relacionada à lei, em março deste ano, reconheceu sua constitucionalidade ao negar habeas corpus em favor de um acusado de agressão.
Saiba o que o artigo 7º da Lei Maria da Penha estabelece como "formas de violência doméstica e familiar contra a mulher":
Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

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